terça-feira, 6 de março de 2012

O Moinho

O Moinho

Troteando pela serra
avistou um rei bel moinho.
Vinha sozinho da guerra,
decidiu näo fazer-se ao caminho.
Girava de dia e de noite
ao vento moendo farinha.
O milho até dava biscoite,
mas sabor este näo tinha.
E quando soprava mais forte,
ora da direita ou da esquerda,
o povo ardia de sorte:
-"Vem biscoito, pela certa."
De paladar p'ró insosso,
mas rico de nutrientes,
para muitos foi "Päo Nosso"
cativando clientes.
Eram o ferreiro e o escravo,
o cavaleiro e o trovador;
todos mordiam o favo
decaindo, assim, seu valor.
Chegando de peito aberto
deixavam lá sua semente.
Matavam a fome, decerto,
mas o travo era indiferente.
A cada mais um rodopío
mais cereal se gastava,
o biscoito era sombrio
e o povo já rogava:
"Semear de Sol a Sol.
Regar, colher e moer.
Sim que dá p'ra morder,
mas o biscoito vem  mole.
O rei, provido de graça,
näo querendo mais queixume
na beira rio fez praça
deixando ao pó o do cume.
Portava menos semente,
girava só contra o rio,
fazia biscoito inconstante,
mas crocante e cheio de brio.
Dizia o rei p'ra consigo:
"girar ao vento apoquenta
e estraga-nos o paladar.
Antes um, que näo quarenta
Biscoitos no MEU jantar."

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Ao Amor

Ao Amor

Lágrima chorada de um monte,
fluindo em direção ao mar,
as margens no horizonte
banhas de vida e paladar.
E o teu paladar é tão fino,
por mais escarpada a encosta.
Em campo aberto ou clandestino
beijas sempre de alma exposta.
Como o Nilo és morte e vida,
como o Amazonas ampla.
Quão grande a distancia corrida
mais a outra encosta te contempla.
Em ti vivem sapos e potos,
salmões, piranhas e sereias,
mas apenas os devotos
no teu leito ao mar passeias.

Fredericia

Fredericia,

Hoje mirei um trevo
de quatro folhas enfeitado.
Colhê-lo? Näo sei se devo.
Deixá-lo seria pecado.
Tivesse eu seara abastada,
videiras e uvas cheiinhas,
doava-o às almas cansadas
de silvas e ervas daninhas.
Árduo e agreste horto,
terreno de seca vindima.
De täo pobre eu nem me importo.
Näo ter trevo desanima.
Passarei por cá de novo.
Mesmo juntinho à ladeira!
Se estiver, pois bem, comprovo
que a sorte me queria
à sua beira.

A Bandida

A Bandida

No seu palácio de seda,
marco de reis e de escravos,
a princesa adocica travos
e faz sumo de fruta azeda.
-"De manhä curei doentes,
de tarde aprovei estagiários.
Rezei ! - Pela alma dos crentes.
Descrentes? Converti vários!"
-"Fui polícia um dia"-disse,
Encarcerei um assaltado.
Algemas - por cretinice,
e de vítima fiz culpado.
"Um qualquer dia fui Sheeva.
Encarnei muitas estrelas.
Brilham joias em todas elas
e eu, em flanelas, lasciva.
Ardo em algodäo dorido,
o espelho pinta-me infernal,
Elas prantam o ocorrido,
pois em ninho cravei punhal.
Vivo para näo morrer,
Árvore seca e malvista
Fêmea! Näo sou mulher!
Um resto de carne indigesta."

O Boato

O Boato

Tres balas no peito,
o pescoco pendurado,
um punhal bem espetado,
mas näo deste jeito.

Um acto irreflectido ?
Uma frase incoerente ?
Um gesto mal medido ?
Mas näo, estou inocente.

Ouco ao longe, no escuro,
cobras rastejando nos rochedos
e ratos, que espalham doencas.
Sim, tenho medo
e calos nos dedos.

Ouco ao longe, no escuro,
corujas rosnando segredos
a galos, que voam rasteiro.
Sim, tenho medo
e calos nos dedos.

Acordam as galinhas.

Solitude

Solitude

Tocas-me
e eu beijo-te profundamente.
Quando me abracas
eu deixo-te ainda mais carente.
As tuas muralhas
definem o meu territorio,
onde te acolho
so e inglorio.

Amas-me
e tratas-me como uma irmä,
Choras-me,
porque so eu
te passearei amanhä
Talvez um dia me rejeites
e me chutes
depois de tantas
e tantas noites ...

O Carrocel

O Carrocel

Quando, ao cerrares os olhos,
sentires a plenitude,
quando as asas em ti se unirem
num beijo rude,
quando petalas cobrirem
a tua alma e o teu ser :
nada mais terás a temer.

Quando o vento for ponte
para a tua imensidäo
e o medo tremer
perante tal visäo,
quando à flecha lancada
nada a detiver:
nada mais terás a temer.

Quando o carrocel parar
a crianca esfumar-se-á,
quando a mäo te amparar
um beijo, forte, envolver-te-á.
Quando, enfim, nesse dia,
à fonte fores beber:
nada mais terás a temer.